6.1.09

A Batalha Imortal

Guerras medievais têm regras. Têm uma estratégia. Os velhos monarcas sentam-se nos seus tronos, ponderam as infinitas ramificações de cada ataque, recuar, agredir e por ventura, derrota, e planeando assim, tentar favorecer o seu lado no campo de guerra. Manipulam tacticamente as tropas, e o resultado de cada batalha. Sabem as vantagens e desvantagens de cada unidade militar, e que os soldados, usados e sacrificados correctamente, podem tornar uma batalha numa vitória. Os monarcas, neste caso específico, são anciãos, velhos inimigos, um árabe e o outro cristão, cada um no seu castelo no topo de colinas opostas. Entre elas estende-se vale magnífico, uma planície verdejante onde riachos de pequeno porte, cortam veios insignificantes numa tentativa de dividir os dois reinados. É este paraíso quase idílico que a batalha, prestes a ser travada, vai transformar em cenário infernal. Os insectos entretanto, ignorantes do futuro, continuam atarefadas e frenéticas, e os pássaros cantarolam progressões de melodias, amorosamente.

As capacidades de produção e forças militares dos reis tinham sido sempre iguais, obrigando-os a utilizar engenho e destreza mental para levar a melhor no campo de batalha. Até agora, nunca um rei, através das diversas rixas travadas, tinha conseguido capturar ou derrubar o outro. A disputa entre eles tinha sido sempre puramente territorial mas, para além disso, até se aceitavam mutuamente em termos amistosos. Porém, o poder e o controlo tinha-se tornado uma prioridade, as terras férteis do vale são importantes para o crescimento dos seus territórios. Enquanto existe aquele espacinho de terra, há um pacto de guerra até à morte entre os dois velhos monarcas.

Cada exército tem oito unidades de infantaria, um primeiro-ministro, dois bandos de cavalaria e duas máquinas de guerra. Os cristãos ainda beneficiam de dois grupos de Inquisidores enquanto os árabes têm dois elefantes de guerra. Os exércitos são completados pelos respectivos reis e guarda real. Após o ajuntamento de tropas e preparações de guerra, o alinhamento das fileiras, e a discussão de tácticas inicial, o rei árabe avança com uma brigada da sua infantaria, composta por burgueses, com o intento de controlar o centro do campo de batalha. A infantaria é a tropa mais dispensável de todas, mas ao mesmo tempo essencial. Só sabe avançar, sendo assim a expressão do homem comum no campo de batalha, sem treino militar formal. Forma a linha de avanço do exército, define o plano ofensivo e as opções defensivas e, em muitos casos, pode, no final da batalha, fazer a conquista.

O rei cristão não se atrasa na organização desenvolvimento da sua estratégia, e comanda o avanço de um batalhão de infantaria de fiadores para enfrentar os árabes no centro do terreno. O passo é nervoso, o panorama ainda está relativamente calmo face ao número extenso de guerreiros que esperam nas respectivas linhas defensivas. O rei árabe tenta distrair o batalhão cristão com outro grupo dos seus guerreiros a pé, constituído por albergues; o rei cristão aceita o gambito do adversário, e captura o batalhão de burgueses. A 1ª infantaria movimenta-se e captura inimigos de forma divergente, atacando pelos lados devido aos escudos enormes que os homens levam pela frente para protecção.

O rei árabe toma outra vez a iniciativa, ordena que um dos seus elefantes avance pela diagonal por detrás da linha de infantaria. Infelizmente, esta iniciativa não obriga os cristãos à defesa, e o seu rei manda imediatamente que o seu poderoso primeiro conselheiro pressione directamente o rei árabe. Inteligente e ágil, o conselheiro consegue mover-se rapidamente com a sua guarda para qualquer sítio do terreno, desde que não seja bloqueado pelos seus compatriotas.

É de facto uma forte pressão que obriga o rei árabe a defender-se, e que o faz retrair a sua guarda real para território menos arriscado. O rei é o cabeça do exército, e daí ele sente a responsabilidade do cargo. Como sempre, o rei tem de ser defendido a todo o custo e não sofrer assaltos de surpresa e bem seguro pelos seus, por isso não se pode movimentar à vontade.

O rei cristão toma agora a iniciativa, ataca o elefante árabe com a sua infantaria de ferreiros, mas o elefante, com uma destreza surpreendente, revela-se capaz de vencê-los. O ruído de metal contra metal soa constantemente, e a morte e o desespero começa a instalar-se no vale, qual tempestade em ebulição.

Frustrado, mas ainda com a possibilidade de atacar, o monarca cristão avança rapidamente com um batalhão de cavaleiros, que atravessam um rio e um pequeno bosque, pressionando a infantaria de burgueses e, portanto, o centro do terreno. Os cavaleiros, com os seus cavalos ágeis que cobrem distâncias, têm a capacidade de perfurar terreno complicado que os outros combatentes, de uma forma geral, não atravessam. O galopar dos cavalos chega aos adversários, pondo-os a tremer, cientes de que o rei tomará a decisão da sua morte ou salvação.

Inteligente, o árabe arrisca, não se defende, prefere pressionar o primeiro conselheiro do adversário com a sua própria cavalaria. A cavalaria é constituída pela nobreza, fidalgos vassalos do Rei que, juntamente com os homens que os senhores feudais alistaram para apresentar lanças, os escudeiros e cavaleiros nobres.
Em resposta, o rei cristão opta, prudentemente, por recuar a sua unidade mais potente e versátil. O seu conselheiro é demasiado importante para perder nesta altura precoce do confronto. Os árabes controlam o terreno central com mais unidades, mas menos eficazes, enquanto os cristãos mantêm superioridade qualitativa com militares mais úteis.

É nesta altura que o árabe auxilia os seus burgueses no meio do campo de batalha, talvez negligente da sua posição, enquanto o rei adversário desenvolve ainda mais a posição dos seus cavaleiros já adiantados. O árabe entende a razão de progresso das suas tropas, e apressa também os seus cavaleiros, que são imediatamente atacados pelo todo-poderoso primeiro-ministro do rei cristão. Ele anda a movimentar-se pelo terreno a aterrorizar os militares inferiores com a sua presença perturbante. Para não perder a valiosa cavalaria, o rei árabe move-os para a dianteira dos burgueses, assim protegendo-os caso o primeiro conselheiro cristão os capturasse. Se assim fosse, os burgueses teriam a oportunidade de tomar uma iniciativa decisiva, e capturar em seguida o primeiro conselheiro cristão, uma troca bastante favorável para o exército árabe.

No entanto, o monarca cristão não se engana com a troca injusta, e opta por pressionar outra vez o elefante árabe, desta vez com a infantaria dos alfaiates, no outro flanco do terreno. O velho árabe arrisca, e pressiona os cavaleiros cristãos com a sua infantaria básica, composta pelos ferreiros do seu império. Se os cristãos atacarem o seu elefante, ele captura os cavaleiros. Os cristãos assimilam a táctica, e recuam com os cavaleiros deixando, para já, o elefante em paz. Os árabes têm, em posições mais avançadas, três unidades de infantaria, uma de cavalaria, e um elefante, enquanto os cristãos têm uns cavaleiros, o primeiro-ministro, e duas unidades de infantaria. Ambos já perderam infantaria, mas os árabes têm superioridade numérica na área central.

Para evitar a perda dos seus ferreiros, o rei árabe move uma das suas máquinas de guerra para uma posição de cobertura destes, mas assim sacrifica o seu elefante para os alfaiates, o que é uma perda brutal para os árabes. As máquinas de guerra são protegidas com camadas de armadura, com um condutor e pelo menos um arqueiro ou guerreiro com armas de longo alcance. Os flancos da máquina de guerra têm fortificações construídas de pedra, o que dá a sensação de um verdadeiro “muro” ambulante. Devido ao seu peso e relativa dificuldade de virar, eles movem-se ortogonalmente, atropelando tudo o que lhe aparece à frente exceptuando, obviamente, os soldados da sua facção.

Numa tentativa de recuperar o material perdido, o rei árabe pressiona outra vez o primeiro conselheiro cristão, com infantaria composta por guardas da cidade. O primeiro-ministro cede terreno e, ambiciosamente, os guardas perseguem-no, mas sem êxito, pois o conselheiro escapa-se de novo. Frustrado, o velho árabe resolve mover o seu braço direito e general pela primeira vez. Põe-no numa posição conservadora de protecção, atrás e entre os burgueses e ferreiros, controlando os espaços à volta do primeiro-ministro inimigo. Rodeado pelos numerosos árabes, o rei cristão tem de recuar o seu primeiro-ministro. Emite o comunicado para o seu exército e, com o intuito de desbloquear a evasão do seu conselheiro, manda a sua hoste de cavaleiros recuar ainda mais.

Aproveitando uma brecha na defesa cristã, outro elefante árabe é direccionado a investir e capturar os burgueses inimigos, pressionando ao mesmo tempo o conselheiro. O rei cristão não arrisca e recua o seu comandante para o espaço criado pelos recentemente evacuados cavaleiros, pois não há resolução favorável desta situação. A vantagem árabe é óbvia, com quatro legiões de infantaria, um elefante, cavalaria e o conselheiro do rei a forçar meticulosamente o exército cristão a recuar.

Ainda assim, existem algumas situações de empate na disputa central, e o árabe julga que é aconselhável comandar outro grupo de cavaleiros para a frente, aumentando o número destes no terreno para dois. O cristão opta por fazer o mesmo e, com alguma audácia, avança os Inquisidores, vindos da igreja para apoiar o seu caso, e que agridem a grande máquina de guerra árabe. Surpreendentemente, o rei árabe não protege ou move a máquina de guerra e incita outra vez o bando de cavaleiros, a reafirmar a sua posição no terreno central.

O monarca cristão vê ao longe os dois grupos de cavaleiros a aproximarem-se, e apercebe-se da sua situação complicada e desfavorável, pois estes ameaçam várias das suas tropas simultaneamente, e decide agir com uma ofensiva radical. Captura rapidamente algumas infantarias, e ameaça outra máquina de guerra com o seu primeiro-ministro. A posição deste é perto do rei árabe, e a pressão aumenta na zona defensiva do exército árabe.

O árabe não se assusta e, com muita coragem, avança o seu outro elefante para o seio da defesa cristã, que fica sob a protecção dos cavaleiros. Esta escolha é incrível, o rei árabe está disposto a perder duas máquinas de guerra em troca de melhor posicionamento! Furioso, o rei cristão esquece-se de toda a cautela, e captura uma máquina de guerra com os seus Inquisidores. A batalha está aberta, e há ataques sucessivos dos dois lados para ver quem consegue capturar primeiro o rei inimigo.

O rei árabe tem, no entanto, um truque na manga: em vez de se defender, bloqueia o retorno do primeiro conselheiro cristão que procura o seu rei, e avança um batalhão de infantaria de mercadores. O primeiro-ministro tenta capturar a máquina de guerra, e esquecer a defesa do rei cristão. Esta captura, que favorece a posição atacante cristã, também ameaça a captura do rei árabe se ele não se defender.

Sem escolha, o rei árabe move-se com a sua guarda real para um terreno mais seguro. O rei cristão, com apenas duas tropas, o conselheiro e os monges, no ataque, vê-se obrigado a enviar mais cavaleiros. O rei árabe responde com uma subida brusca de cavaleiros para dentro da área defensiva cristã e ameaça o rei adversário. Os cavaleiros estão sem protecção, mas também sem pressão. O rei cristão vê-se obrigado a mover-se.

Num sacrifício honroso, o conselheiro do rei árabe ameaça outra vez o rei cristão e, ao mesmo tempo, arrisca-se a ser capturado pelos cavaleiros cristãos, que o fazem de imediato para salvar o rei. É um sacrifício difícil mas necessário, bonito e valioso no resultado final.
A batalha está ganha, o rei árabe avança o seu último elefante, protegido por cavaleiros, e anuncia a captura iminente do rei cristão.

“Bispo para E7, xeque-mate.”
Os cavaleiros também tapam o caminho de escape ao rei cristão, e este não tem outra escolha senão render-se, derrotado.



Nota: A Batalha Imortal (1851) acabou por ter importância histórica, tendo em conta a eficácia de movimentação de Adolf Anderssen, contrabalançando as tropas melhor equipadas e mais ofensivas de Lionel Kieseritzky . Provou-se que com uma táctica lenta de desenvolvimento, e sacrifícios bem executados, consegue-se vencer contra estratégias extremamente ofensivas e agressivas, como a de Kieseritzky.

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